O cristianismo desempenha um papel único, incisivo e capital na história da Humanidade. De certa forma é o momento central, o ponto de retorno ou de volta entre a involução e a evolução. Daí o resplendor da sua irradiação.
Em parte alguma encontra-se esta luz com a mesma intensidade que se verifica no Evangelho de S. João. E, na verdade, pode-se dizer, só nele resplandece com tanta energia.
Não é deste modo, certamente, que a teologia contemporânea concebe este documento. Sob o ponto de vista histórico, de fato, o considera inferior aos três evangelhos sinóptico e até o suspeitou de apócrifo.
O simples fato de ter sido escrito dois séculos depois de Jesus Cristo foi o bastante para que os teólogos e a escola crítica o considerassem obra de poesia mística e de filosofia alexandrina. O Ocultismo, ao contrário, encara-o de modo muito diferente.
Durante a idade média existiam várias fraternidades que viveram em seu ideal e foram a fonte principal da verdade cristã. Estas fraternidades denominaram-se irmãos de S. João, Albingenses, Cátaros, Templários, Rosa-Cruz. Todos eram ocultistas práticos e faziam deste Evangelho sua Bíblia, seu Breviário. É provável que as lendas do Santo Gral, de Parsifal e de Lohengrin, emanassem dessas fraternidades e fossem uma expressão simbólica das suas doutrinas secretas.
Todos os irmãos destas diversas ordens consideravam-se precursores de um Cristianismo individual, do qual possuíam o segredo e cujo desenvolvimento máximo e floração absoluta estavam reservados ao futuro. E este segredo só poderia ser encontrado, única e absolutamente, no evangelho de S. João. Nele ocultava-se uma verdade eterna e útil em todos os tempos, uma verdade capaz de regenerar a alma, latente nas próprias profundidades do ser. O Evangelho de S. João não era lido como qualquer peça literária e sim como um ritual místico. Para dar uma idéia do fato, teremos que abstrairmo-nos por um momento do seu valor histórico.
Os primeiros quatorze versículos deste Evangelho eram para os Rosa-Cruzes objetos de uma meditação quotidiana e de um exercício espiritual. Atribuíam-lhe um poder mágico, de fato, existente para o ocultista. É o efeito produzido pela constante repetição, sem fadiga, da mesma prática, feita à mesma hora todos os dias, em que obtinham a visão de todos os acontecimentos referidos pelo Evangelho e podiam vivê-los interiormente.
Com efeito, para os Rosa-Cruzes a vida do Cristo significava a ressurreição do Cristo no fundo de cada alma, através da visão espiritual. Os demais acreditavam, naturalmente, na existência real e histórica do Cristo, porque conhecer o Cristo interior é reconhecer igualmente o Cristo exterior.
Um espírito materialista poderia indagar, atualmente: Caso tenha de fato, os Rosa-Cruzes terem tido essas visões, provam a existência real do Cristo?
A esta pergunta poderia responder o Ocultista; Se não existissem olhos para ver o sol, o sol não existia, mas se não houvesse sol no céu, igualmente não existiriam olhos para vê-lo. Porque foi o sol que formou os olhos, através dos tempos, e os formou de modo a perceberem a luz.
Assim, os Rosa-Cruzes diziam: “O evangelho de S. João desperta o sentido interno, mas se não existisse um Cristo vivo, ninguém poderia ressuscitá-lo em si mesmo. A obra de Jesus Cristo não pode ser compreendida, em toda a sua imensa profundidade, senão estabelecendo-se as diferenças existentes entre os Antigos Mistérios e os Mistérios Cristãos.
Celebravam-se os Mistérios Antigos em Templos-Escolas. Os iniciados, pessoas que tinham despertados e aprendido a agir sobre seu corpo etéreo, e portanto, “nascido duas vezes”, viam as coisas de duas maneiras; diretamente pelo sonho e a visão astral, e indiretamente pela visão sensível e lógica. A iniciação a que se sujeitavam tinham os nomes de Vida, Morte e Ressurreição. O discípulo passava três dias em um túmulo, em um sarcófago, dentro do Templo; e seu espírito libertava-se do corpo, mas no terceiro dia, respondendo a voz do hierofante, retomava ao corpo, de volta dos confins do Cosmo, onde percebera a vida universal. Tinha-se transformado e nascido duas vezes. Os maiores autores gregos falaram, com entusiasmo e profundo respeito, destes mistérios sagrados. Platão chegou a dizer que só o Iniciado merece o qualificativo de homem. O Cristo é a iniciação condensada na vida sensível, assim como o gelo é a água solidificada. O que se verificava nos Mistérios Antigos realizava-se, historicamente no Cristo no mundo físico. A morte dos iniciados era, apenas, uma morte parcial no mundo etérico. A morte de Cristo foi uma morte completa no mundo físico
A ressurreição de Lázaro pode ser considerada um momento de transição, uma passagem da iniciação antiga à iniciação cristã. No Evangelho de S. João, o próprio S. João nos aparece até depois de mencionar-se a morte de Lázaro. “O discípulo que Jesus amava” , era também o mais iniciado de todos. O que passou pela morte e pela ressurreição e ressuscitou a voz do próprio Cristo. João é Lázaro saído do túmulo, depois da sua iniciação. S. João viveu a morte do Cristo. É a senda mística que nos conduz as profundidades do cristianismo.
As bodas de Canaan, cuja descrição lê-se neste Evangelho, encerram um dos mais profundos mistérios da história espiritual da humanidade. Refere-se as seguintes palavras de Hermes: “O que está em cima é análogo ao que está em baixo”. Nas bodas de Canaan a água se transforma em vinho. Dá-se a este fato um sentido simbólico universal. Que é o seguinte: “no culto religioso o sacrifício da água é, transitoriamente, substituído pelo do vinho”.
Houve um tempo, na história da humanidade, em que não se conhecia o vinho. Nos tempos védicos assim sucedeu. Enquanto o homem não bebia líquidos alcóolicos, a idéia das existências anteriores e da pluralidade das vidas eras uma crença universal, de que ninguém duvidava. Assim que começou a ingerir bebidas inebriantes, a idéia da reencarnação foi-se apagando e acabou por desaparecer totalmente da consciência popular. Só os Iniciados conservaram-na em virtude da absoluta abstenção desses licores.
O álcool exerce uma ação sobre o organismo, especialmente sobre o corpo etérico, onde a memória se elabora. O álcool tem a propriedade de nublar a memória, obscurecê-la em seus íntimos recônditos. O vinho causa o esquecimento, diz-se comumente, mas, este esquecimento não é superficial e momentâneo. É, ao contrário, profundo e durável, uma anulação verdadeira da força da memória no corpo etérico. Por este motivo assim, que os homens começaram a beber vinho, perderam, porco a pouco, a noção e o sentimento espontâneo da reencarnação.
A crença na reencarnação e na lei do Carma, tinha uma influência poderosa não só sobre os indivíduos, como sobre os seus sentimentos. Esta Crença os fazia aceitar a desigualdade das condições humanas e sociais. Quando o desgraçado operário trabalhava nas pirâmides do Egito, quando o hindu da última casta esculpia os templos gigantescos, no coração das montanhas, dizia-se que em outra existência encontrariam a recompensa do trabalho corajosamente suportado, que seu patrão passara por provas idênticas e, se não era bom, passaria por outras muito mais penosas, futuramente.
Ao aproximar-se o cristianismo a humanidade tinha que atravessar uma época de concentração sobre a obra terrestre; era necessário trabalhar, afim de melhorar a vida, desenvolver o intelecto, adquirir o conhecimento racional e científico da Natureza. O sentimento da reencanação devia, pois perder-se durante dois mil anos. E o elemento utilizado, na conquista desta realização, foi o vinho.
Tal é a causa profunda do culto de Baco, deus do vinho e da embriagues, forma popular do Dioniso dos antigos mistérios Gregos. Tal, também, o sentido simbólico das bodas de Canaan. A água servia para os antigos sacrifícios e o vinho para os modernos. As palavras do Cristo; “Felizes os que não viram e, apesar disto, acreditaram”, aplicam-se a nova era em que o homem, entregue, por completo, a realização da obra terrestre, não poderia ter a recordação das suas vidas anteriores, nem a visão direta do mundo Divino.
O Cristo nos deu uma confirmação disto na cena do Monte Tabor, na transfiguração que se verificou em presença de Pedro, Tiago e João. Os discípulos perceberam-no entre Elias e Moisés. Elias representa o caminho da verdade, Moisés, a verdade e Cristo a vida que resume os dois. Por isso só Ele podia dizer: “Eu sou o Caminho , a Verdade e a Vida”.
Deste modo tudo se resume e se concentra tudo se aclara e se intensifica, tudo se transfigura no Cristo. Remonta o passado da Alma Humana até a sua própria fonte e prevê seu futuro até a sua comunhão com o próprio Deus. Porque o Cristianismo não é exclusivamente uma força do passado e sim uma força do futuro. Com os Rosa-Cruzes, o novo ocultismo indica o Cristo Interior em cada homem, e o Cristo futuro, em toda a Humanidade. Gnose abril 1938 – Eduardo Schuré
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